Publicado 31/05/2016 11:53:36

Eldorado, adeus! - Quarenta anos de saudade!

Cartaz do último filme exibido: Uma Janela para o Céu

Talvez pareça excesso de sentimentalismo, mas a verdade é que chorei, quando tive a certeza de que o Eldorado iria acabar. Para mim, aquela casa de espetáculos não era apenas um prédio, um imóvel, algo inanimado, para mim, era um relicário precioso, o templo sagrado das minhas recordações infanto-juvenis.

Parece-me que nunca me importei como passar do tempo. Todas as imagens queridas do passado estavam ali, vivas, intactas, guardadas, protegidas pelas paredes do Eldorado, podendo ser evocadas, quando eu desejasse.

Assim, repentinamente, voltava a ser uma menina de três anos de idade, chorando, ao ir ao cinema, pela primeira vez, conduzida pela mamãe, para ver o filme “Pássaro Azul”, com Shirley Temple. E nunca mais deixaria de frequentá-lo. Os filmes se sucediam: desenhos animados, o Gordo e o Magro, Tarzan, fitas em série, etc. O tempo passou. A adolescência foi chegando e, com ela a emoção do primeiro amor. As sessões de três e meia, das tardes de domingo, eram o ponto de encontro da juventude friburguense. Quem não chegasse com uma hora de antecedência, não encontrava lugar. As filas se alongavam para a compra dos ingressos, enquanto lá dentro, pelos corredores formados pelas fileiras de poltronas, a rapaziada fazia “footing”, provocando o pulsar descompassado de muitos corações.

Não sei o que era mais sensacional, se as emoções decorrentes das cenas dos filmes ou as provocadas pelos acontecimentos na plateia. Mas a advertência, “é proibido guardar lugares”, prejudicava muita gente, cuja única oportunidade de um encontro era o apagar das luzes. Naquela sala de projeções, ao longo do tempo, quantos encontros e desencontros, quantos inícios e fins de romances, quantas alegrias e quantas mágoas, ao ver a pessoa amada ao lado de outra.

Cine Eldorado: atualmente Banco Bradesco

Os filmes da época, dos “Anos Dourados”, marcaram o apogeu do cinema, não só em nossa cidade, como em todo o mundo. Os artistas eram verdadeiros astros inatingíveis que, no céu da fama, brilhavam esplendorosos: Ava Gardner, Rita Hayworth, Sofia Loren, Ingrid Bergman, Tony Curtis, Marilyn Monroe, Cornel Wild, Elizabeth Taylor, Grace Kelly, Marlon Brando, Elvis Presley, Gina Lollobrigida, Victor Mature, Rock Hudson, Burt Lancaster, Lana Turner, Marcelo Mastroiane, Brigitte Bardot e muitos outros. Agora, com o ruir das paredes do Eldorado, todos os meus sonhos e recordações ficarão órfãos, ao desabrigo, vagando errantes à procura de outro de outro ninho. 
A geração atual não pode compreender. A única coisa que me consola e me orgulha é eu poder dizer, com toda força do meu coração: EU VIVI NA ÉPOCA DO ELDORADO!

O texto acima é a transcrição da carta que eu enviei a Rubens Leal Pinto, o “Seu Rubinho”, proprietário do Cinema Eldorado, por intermédio do porteiro vitalício Manoel Vicente, o popular “Cumpadre”,na noite de 31 de maio de 1977, na derradeira sessão, exibindo o filme “Uma Janela para o Céu”.

Fundado por Aristão Pinto, foi inaugurado em 24 de julho de 1940, com o filme musical da Metro, “Balalaika”, com os atores Nelson Eddy e Llona Massey. O “Eldorado” era carismático, exercendo um fascínio em seus espectadores, pois era um espaço aconchegante, acolhedor, dotado de “calor humano”. No seu interior reinava uma certa magia, que envolvia as pessoas, transportando-as ao mundo dos sonhos. Estes eram acalentados pelos harmoniosos acordes das orquestras de Glenn Muller, Tommy Dorsey, Duke Ellington, Franck Pourcel, Henry Mancini que se faziam ouvir na sala de projeção, através dos antigos discos, enquanto se aguardava o início da sessão.

O “Eldorado” jamais envelheceu, se modernizava a cada aperfeiçoamento da indústria cinematográfica: tela panorâmica, cinemascope, som estereofônico, etc. Durante 36 anos funcionou, mantendo sempre o mesmo nível de qualidade, mas não resistiu à onda avassaladora da televisão que suplantou o cinema, em todo o mundo.

Para se compreender toda a melancolia que invadiu a alma dos cinéfilos friburguenses, com a perda do “Eldorado”, somente assistindo ao primoroso filme “Cine Paradiso”, repleto de sensibilidade e transbordante de ternura.

Portas fechadas para sempre após a última exibição

Comentários

VERA LIEBING 03/06/2016 22:23:48

Adorei a crônica.Lamentei muito o fim do cine.e Eldorado.Foi um marco na história de Friburgo.Deveria ter sido tombado pelo Património Nacional.Ele fez parte da história da cidade e de muitas histórias que foram vividas pelo friburguenses. Mas a crônica me fez reviver momentos inesqueciveis do Cinema Eldorado.Deixou muitas saudades.

Vera Liebing 01/06/2016 21:28:48

SENSACIONAL!saudades do Eldorado.Friburgo perdeu com a demolição do cinema Eldorado um pedaço de sua história e os friburguenses ficaram órfãos de trechos de suas próprias histórias.Poderiam ter construído um prédio mas o cinema deveria ser preservado. Fez parte de uma epoca inesquecivel.Quando vi Cinema Paradiso choreide saudade.

ANA FREIRE 01/06/2016 15:57:30

EU COMO A MAIORIA DOS JOVENS DA MINHA ÉPOCA...A ÉPOCA DOURADA EM TODOS OS SENTIDOS......FAZÍAMOS DO CINE ELDORADO NOSSO PONTO DE ENCONTRO ENTRE AMIGOS......COMEÇO E TB FINAL DE ROMANCES.......FOI NESSE ESCURINHO DO CINEMA QUE DEI MEU PRIMEIRO BEIJO...MAS NÃO CONTO QUEM FOI O PROTAGONISTA DESSE MEU FILME PARTICULAR...AINDA ANDA PELOS RECANTOS DE FRIBURGO.....NÓS.... SÓ NOS DOIS SABEMOS....E ASSIM SERÁ.......COMO DIZ A MARAVILHOSA MÚSICA DO NOSSO CANCIONEIRO........ÉRAMOS FELIZES...E NEM SABÍAMOS O QUANTO......MEMORIAS QUE O TEMPO SÓ FAZ GRAVAR EM NOSSAS MENTES E CORAÇÕES......NADA NADA MESMO APAGARÁ.............

moemia smith 31/05/2016 20:51:22

Frequentei este cinema o máximo que pude e tenho grandes recordações e saudades tb. Tempo maravilhoso da minha juventude.

mario marcio damasco 31/05/2016 18:02:21

Leyla, \"Viajei\" através da sua crônica para as sessões dominicais das três e meia do nosso Eldorado.Sua descrição é perfeita. E muito emotiva. Quase me levou as lágrimas. Não sei se concorda comigo, mas tenho a impressão que para a juventude daquela época o filme que fez mais sucesso foi \"O Candelabro Italiano\" que, tenho em DVD e de vez em quando assisto. Outra lembrança era o burburinho que se fazia presente no interior do cinema quando o Eldorado anunciava suas próximas atrações. As chamadas para um filme muito badalado eram acompanhadas por manifestações em uníssono da platéia. Um \"ÓÓÓ\" inesquecível. Eu também gostava dd filminho das vinte uma horas dos sábado e nos dias de semana um ou outro das vinte horas. Espetacular a lembrança do \"Compadre\" que \"conferia\" nossas carteirinhas para saber se podíamos assistir ao filme proibido para menores de dezoito anos. Como ele não estava ali para barrar ninguém dizia-se maliciosamente que não sabia ler ou fazer conta... Mas, isso fica por conta do folclore e das más línguas. Posso fazer um ajuste em sua crônica? Não vai ficar zangada? O \"Cinema Paradiso\" é com Philippe Noiret, ator francês, não com o Marcelo Mastroiane. Mude esse informação e sua crônica vai primar pela perfeição. Por enquanto, a nota é 99,99. Um grande beijo e muito prazer.

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